Quando eu era criança, tinha pavor da quaresma, medo mesmo, porque na cultura mineira, naquele tempo, quaresma era o tempo do lobisomem. E mineiro levava esta estória a sério! Tanto é que na minha familia corria a estória que a minha avó, em uma das suas 13 gravidez, na quaresma, foi assediada uma noite inteira por um lobisomem que rondava a casa! Na quaresma, todo mundo ficava dentro de casa por medo do lobisomem.
Hoje, o tempo de quaresma também nos convida a ficar dentro de casa, mas da nossa casa interior onde está o nosso coração. Não mais por medo de lobisomens, mas para estar forte diante das tentações do mundo e não cair nas armadilhas do inimigo.
Ficando dentro da nossa casa interior, procurando conhecer-nos a nós mesmos, avaliando o nosso comportamento e nossas atitudes, o tempo da quaresma nos permite fazer uma profunda avaliação da nossa vida e da nossa caminhada, emfim, da nossa existência até aqui.
No evangelho deste domingo ouvimos que, Jesus, depois de ser batizado e antes de começar a sua vida pública, foi impelido ao deserto pelo Espírito Santo e ali foi tentado pelo inimigo, convivendo em meio as feras e sendo servido pelos anjos. Os estudiosos da bíblia explicam que o fato de Jesus estar em meio as feras e o serviço que os anjos prestam a Ele, indicam o paraíso perdido pelo pecado de Adão e Eva. Agora, é como se Deus quisesse começar tudo de novo, do início, com Jesus, o novo Adão.
Atenção: o evangelho nos mostra que até Jesus sentiu a necessidade de ficar dentro da sua casa, ou seja, de fortalecer o seu íntimo confrontando-se com a tentação, com o inimigo. Com certeza, Jesus saiu fortalecido do deserto. Quando Ele, Jesus, se confronta com a tentação e não cede, sai fortalecido para a sua missão. Jesus encontra forças na profunda introspecção que faz. É no seu íntimo mais íntimo que Jesus encontra forças para dar conta da sua missão. Dentro de Si, Jesus encontra o PAI que nunca o desampara e encontra o ESPÍRITO, que o impulsiona.
Entrando no deserto, Jesus entra dentro de Si mesmo. Na luta árdua com o adversário que desejava a sua total perdição, Jesus se fortalece ainda mais. A quaresma de Jesus foi um profundo combate espiritual. E nós?
Também para nós hoje, a quaresma deve ser tempo de profunda avaliação de vida. Que também nós possamos afrontar as muitas tentações e sair fortalecido delas. Entremos em nossa casa, não por medo do lobisomem, mas para nos proteger das armadilhas do adversário. A quaresma deve ser um tempo para repensarmos a nossa vida. Deveríamos colocar no pescoço uma plaquinha: “Fechado para balanço”, e assim mergulhar, rever nossa vida, conhecer nossos pontos fracos e nossa fragilidades. Aproveitar o mergulho e tirar do coração toda a dor, ressentimentos, mágoas, enfim, confrontar-se com o adversário e , deste combate, sair fortalecido!
É claro que não posso ir sozinho para este combate, assim como Jesus não foi. No deserto, Jesus estava amparado por Deus. Geralmente, as grandes batalhas da nossa vida, nós as enfrentamos sozinhos. Mas, na verdade, não estamos sozinhos, o amor de Deus nos ampara. É isto! Tempo da quaresma é tempo de se voltar para o coração. O Homem, que foi até a lua, tem uma enorme dificuldade de chegar dentro de si mesmo. E não deveria ser assim...
Seja no trânsito caótico ou no ônibus lotado, faça a experiência. Mergulhe dentro de você. Faça silêncio para escutar a sua voz interior. Se você continuar a fazer tudo o que estava fazendo até agora, a quaresma não acontecerá e você perderá o tempo da Graça. Mas tenha coragem e dê o primeiro passo: é assim que se começa as grandes caminhadas.
Tenha um domingo abençoado!
pe. Gil, scj
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